O que a gente leva da vida são os encontros. O que a gente leva da vida é a oportunidade de encontrar pessoas para sonhar junto, construir junto, amar junto e ser feliz jUMto!
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Favelado 2.0 é o cara ou a mina da favela que está sempre conectado. Ele já nasceu na época do wifi livre e adora fazer uma boquinha. O seu celular é extensão do seu corpo e ele carrega pra lá e pra cá. Nada passa despercebido pelas lentes do seu android. O favelado 2.0 faz da lan house seu lugar de pesquisa e sociabilidade, gosta de mostrar seu talento com música, dança e moda fazendo vídeos pro youtube. Tem sua linguagem própria no facebook “noiz por noiz” e gosta de usar a timeline como diário de sua visão de mundo. Faz evento no facebook só para encontrar com os amigos. Adora fazer meme de si e da galera. Tem os muros da favela como lugar de expressão e o click como viralização.Ele tem o seu celular como dispositivo afetivo e a viela como principal inspiração.
Eu sou favelado 2.0 quando entro num shopping da zona sul e os seguranças brotam no corredor, passo tudo no cartão e exibo as sacolas na cara deles. Quando ando apressado numa calçada e vejo as senhorinhas brancas puxando suas bolsas e depois elas vão assistir a minha peça e ficam em choque. Quando quero ir à praia e penso na função combi, busão, metro linha 2, next stop estacio station, linha 1 até Ipanema. Quando volto do trabalho e tem troca de tiro no meio do caminho, faço logo amizade e fico na casa das tias, que são infinitas e sempre aparecem quando a gente precisa. Quando sou o único negro na turma da faculdade, na exposição, no teatro, no restaurante, na festa, no barzinho. Quando eu quero chegar em casa na madruga e não tem busão, acabou o metrô e não tenho grana pro táxi, colo logo nos amigos playba e fico pela casa deles. Quando subo a ladeira e os p2 acham que é suspeito um monte de preto subindo, mas nós não abaixa a cabeça não. Quando volto pra casa de ônibus com os moleques zoando pra caramba e a playboyzada olhando com mó raiva, aí é que a gente canta mais alto e faz até competição de passinho no fundão.
Eu me vejo como um favelado 2.0 quando pego o teleférico e vejo a galera na laje pegando sol, as mina fazendo marquinha com esparadrapo. Quando subo de mototaxi e os parceiros me param no meio do caminho pra tomar uma gelada. Quando espero a combi encher pra subir e a tia gorda senta do meu lado me esmagando. Quando entro por trás no busão e pago passagem levando o meu som pra geral. Quando a menozada joga bola no meio da rua impedindo o tráfego e do nada aparece um cavalo, uma carroça, galinha, moto, caminhão de material, caminhão da comlurb e eu acho que estou no meio da Índia. Quando chego duro no baile e meu copo tá sempre cheio. Quando a vó Maria passa mal e geral ajuda. Quando acaba o gás e eu grito a vizinha. Quando o menozin foge da escola e leva um cascudo. Quando subo o morro a pé e vejo os meninos, depois de alguns metros passam os p2, eu meto o pé e respiro aliviado por não ter encontrado os dois ao mesmo tempo. É casa aumentando, rua diminuindo. Exposição de fios, inovações arquitetônicas. Seu José pedreiro criando as gambiarras pra facilitar a nossa vida. É gatonet, águanet, cai a net, segura a net. Os menozin de smartphone hackeando a senha do wifi pra compartilhar vídeo no zapzap.
Sou favelado 2.0 quando entro num bar no jardim botânico e o gerente me recebe na porta me chamando pelo nome. Quando a mesma senhorinha branca que puxou a bolsa rapidamente quando passei por ela no Leblon me vê sentado na mesa ao lado tomando vinho branco e rodeado de intelectuais da arte. Quando as pessoas não entendem da onde eu saí e pra onde eu vou. Quando eu mostro que não preciso de um certificado para ser inteligente e criativo. É muita gente produzindo, criando e fazendo, tantos makers da favela que acabam inspirando grandes letras de funk.
Favelado 2.0 é o cara ou a mina da favela que é rataria quando o assunto são os aplicativos da moda e que não dispensa aquela selfie com os amigos, seja no futebol, no baile, na social na laje ou no almoço em família. Ele aprendeu que seu celular pode ser utilizado tanto pra zoação, como para registrar os esculachos, os delicados momentos de conflitos onde os direitos humanos são violados. Ele também é chamado pra ajudar aquela vizinha que comprou um aparelho celular e não sabe manusear. O favelado 2.0 é cria, tá na pista pra negócio, registrando tudo, nada passa batido, tá ligado nas novidades, se reinventando e fortalecendo a favela.
Texto coletivo: Julio Mendes, Priscila Martino, Rodrigo Vicente, Higor Gomes, Luiz Filipe, Samuel Sorriso, Jonas Bezerra, William Oliveira, Isys Maciel, Sabrina Martina, Alessandra Cardoso, Iris Keres, Kelson Succi, Larissa Neves, Carol Cristiman, May Ximenes, Robson da Silva, Thaty Guanabara, Thayna de Freitas, Karina Donaria, Thamyra Thâmara, Marcelo Magano e João Lima.